(Foto da net)
No seu último romance, As Intermitências da Morte, Saramago recorre ao Livro das Previsões transcrevendo:«Saberemos cada vez menos o que é um ser humano».
Sem dúvida uma grande, talvez a maior previsão sobre o futuro da humanidade e do mundo que habita.
Afinal todos os dias nos esquecemos do homem, esse ignoto símio que se cruza connosco, que sofre dores e vive emoções, tal qual como nós, que miramos e não miramos, conforme a disposição e humor que nos invade. É facto que, por vezes, reparamos na presença do outro semelhante, mas ignoramos ou desdenhamos sua existência. É mais um!...pensamos nós. Amigo? Adversário? Indiferente? Queremos lá saber! O egoísmo invade-nos até ao tutano existencial e limitámo-nos a cumprir o ritual desassombrado da eterna indiferença perante os outros.
Mas quando existem interesses no interesse por esse outro? Ah!, aí calma! O outro poderá ser fonte de lucro para nós...convirá não ignorá-lo. Agiotas das almas, vendilhões de hipocrisia, valsamos ridículos salamaleques em redor do outro que nos interessa...até que os nossos objectivos sejam alcançados. Bem, depois, se o outro já não for útil...esquece-se, ignora-se...ultraja-se, se tal for necessário para o desenlace.
E é assim que vamos seguindo as normas de milhares de anos de convívio existencial, descrito e documentado em tantos outros milhares de cartapácios quase dogmáticos, escritos por outros, que já foram outros, e deixaram depoimentos e ideias...para esquecer e deixar empoeirados em estantes e gavetas. Escritos sedimentados na lama dos tempos e rotulados, muitas vezes, de Livro das Previsões, mas que dizem o que dizem, transmitem o que cada um pretende lhe seja transmitido, mesmo que a deturpação factual e literal seja necessária...para os nossos interesses.
Então que conclusão tirar, neste prólogo de 2006, acerca desse outro animal, simiesco e rotulado de HOMEM, animal de origem transmilenar? É, como sempre foi e será (?), um animal de interesses...logo, um INTERESSEIRO.
Continuaremos com essa certeza, mas na realidade saberemos cada vez menos o que é um ser humano.