É facto que o meu sonho não se tornou realidade, como muitos outros que já tive. Mas também, após despertar, não senti que se tratasse de um pesadelo. Talvez o que em gíria comum se chame uma pisadela, mas sem esmagamento objectivo ou até psicológico. Claro que não morro de amores por quem o povo elegeu, mas também não alimento desamores profundos pelo mesmo. Temos a capacidade de aceitação das coisas, e os portugueses da minha geração, habituados à dura deglutição de autênticos batráquios indigestos, já não sentem estranhamento no encaixe de qualquer evento desfavorável aos seus desejos e vontade.
Ninguém poderá também, quer se goste ou não, iniciar um julgamento por actividade ou factos ainda não acontecidos, pois a verdadeira reinação nem sequer começou. Aliás adivinha-se uma consensualidade nos primeiros tempos, sem recurso à conflitualidade por muitos augurada e até desejada por muitos outros que divergem de uma das partes institucionais. Talvez não venham, de momento, a ter esse mórbido prazer, pois a nobreza do cargo assumido pelo eleito, não o convidará a cometer prematuras ousadias de adversidade clubista.
Até se poderá dar o facto, nada estranho nem inesperado, de haver uma total e sadia convivência de respeito mútuo e inter-colaboração institucional, durante toda a fase de actividade política. E, se assim for, muitos dos que o elegeram vão roer-se de ódios e mesquinhas vinganças.
A Pátria vai continuar o seu desgaste de trinta anos de liberdade, continuando a proteger os fortes e a explorar os fracos, pois não espero o contrário. A vida já me habituou a ver a realidade com o espírito do desinteresse e sem a esperança de relevantes alterações no sentido da positividade por muitos almejada e, por muitos mais, merecida. Somos e seremos, como sói dizer-se, um país eternamente adiado, desde a longínqua espera do velho do Restelo. Continuaremos mergulhados no denso nevoeiro dos fazedores de desilusões.