Hoje é um dia em que tudo me parece manchado de negritude. Uma negritude envolvente e outra, mais intensa, envolvida. A morte, apesar de libertação de mil desgraças, dança diante dos meus olhos. Não porque eu seja profissional de Saúde, mas, essencialmente na sua forma não patológica e concreta. Uma morte fantasmagórica, quase translúcida e revestida de transparentes cendais.
Primeiro transpira de tudo quanto é notícia, os horrores e o terror dum passado convulsivante da nossa capital, o Terramoto e Tsunami de 1755. Relembremos, mas livre-nos Deus de repetida desgraça. Bastou-nos ver e rever as desgraças recentes da Ásia, em pleno período de veraneio, com mortes e destruição inimagináveis. Para já não se falar dos furacões que edulcorado só tinham o nome. Enfim!, tristezas, dor, morte, destruição...
Além disso hoje é o dia de Todos-os-Santos, incluindo o anedótico "S. Nunca" que por vezes nos fazia ganhar umas prenditas, quando garotos. Adoro ver flores, mas cobrindo e enfeitando campos de morte até me parece um contrasenso. É curioso que desde miúdo matutava porque razão não plantavam as flores sobre as campas, pois nasceriam ali e ali ficariam longo tempo, com hipótese de novas florações futuras! É claro que sobre as lápides nunca poderiam nascer, mas eu só imaginava pedras, algumas extremamenre caras e belas, em sepulturas de gente rica, que não era o caso da minha família.
Outra coisa que achava estranho era a existência de autênticos palacetes no cemitério, ricos e faustosos mausoléus, que me faziam pensar nas diferenças sociais, mesmo na morte. E, mais tarde pensava que talvez fosse mais económico fazerem-se muitas gavetas, tipo propriedade horizontal, até porque a terra do cemitério nunca chegaria para que todos a comprassem. Hoje já vejo com outros olhos as novidades arquitectónicas que se vão implantando em algumas terras, com aspecto pragmático e bela arquitectura.
Hoje fiquei novamente muito triste porque estando de serviço de urgência tive que receber a minha mãe, já com 77 anos, com suspeita de novo acidente vascular cerebral. Tivera crises convulsivas, de novo, e queda subsequente. Partiu a clavícula, mas felizmente a TAC cerebral não evidenciava lesões cerebrais recentes...fiquei então um pouco mais feliz, neste dia em que tudo me exalava autênticas miasmas de morte.
Parece que afinal a Morte não me queria atormentar! Todavia encaro-a com toda a naturalidade, talvez por defeito profissional, mas tenho-lhe muito respeito, como é óbvio. Sendo certa, tem hora incerta, ou antes desconhecida, o que é positivo para evitar paranóias e angústias do seu conhecimento.